segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Minha desculpa predileta

Quando eu era guri novo, meu pai me fez uma proposta antes de um aniversário. Eu queria muito uma bicicleta e um videogame de presente, mas o coroa disse que eu teria de escolher entre um dos dois. Com a ingenuidade e a teimosia duma criança, minha resposta era “eu quero os dois, pai”. Num ar de professor, ele me ensinou que – embora naquele momento pudesse me dar ambos os presentes – eu teria de escolher entre um ou outro. “Os dois não. Escolhe!”, ele dizia, me encarando calmamente.

Escolhi o game, depois de pensar muito e insistir alguns minutos para ganhar a bicicleta dentro de um mês. “Não posso prometer isso. Eu estragaria a tua vida”, respondeu ele. É claro que não entendi, afinal era apenas um guri com uma birra estúpida. Mas só hoje eu entendo o que ele estava tentando me ensinar. Na adolescência, depois que concluí o colégio, meu pai adoeceu. Até hoje, essa é a maior chaga na minha vida, foi a ferida que mais ardeu e que às vezes precisa de uns pontos para não voltar a sangrar.

Com a doença, ele ficou dependente. E na época eu fazia planos para cursar uma faculdade. Ia deixar a cidade, até para o exterior poderia ter ido. E escolhi ficar com ele, tentar ver aquela doença ir embora. E no meio disso, a estabilidade financeira que tínhamos se acabou. E claro que os planos já eram outros. De cursar uma faculdade passou a um desespero incontrolável para encontrar um emprego e ajudar nas contas, que se acumulavam. E muitas vezes eu tive de escolher entre as festas com os amigos a uma noite no hospital com ele. E a velha lição da bicicleta voltava para a minha mente. Eram momentos de extrema tristeza e de choro contido, mas a esperança permanecia.

A minha desculpa predileta sempre foi cuidar da minha família e se o tempo voltasse, acho que faria tudo de novo, igualzinho ou com mais dedicação ainda. Eu vi o diabo amassar o pão e me entregar para comer. Mas eu cuspia o pão na cara dele e me apegava na esperança que Deus dá a todo ser humano – de que ele é capaz de superar tudo. Acho que isso serve mais para anúncios de publicidade ou campanhas sociais, mas em todo caso, eu seguia acreditando que meu pai levantaria e falaria comigo de novo.

Só que isso não aconteceu. Havia conseguido um emprego, que mantenho ainda hoje, enquanto ele estava doente. Um dia, saí no meio do expediente, porque ele estava muito mal no hospital. Mas como aquele “estar mal” era rotina, eu escolhi retornar ao trabalho. E antes do final daquele dia de trabalho, eu me decidira ir ao hospital, para ver se ele tinha melhorado. Mas antes, no meio do caminho, enquanto tocava a música “Open your eyes” no carro, eu recebi uma ligação. O pior telefonema de todos. Aquela foi minha pior escolha e hoje não adianta lamentar, porque o tempo não volta. E invariavelmente, ainda hoje, tenho que fazer escolhas difíceis e sempre sigo a mesma direção. É, eu prefiro não arriscar. Essa é minha desculpa predileta porque eu arrisquei um dia e me dei mal. Muito mal.

Um comentário:

Anônimo disse...

a vida é feita de escolhas né... que legal que teu pai lhe deu bons conselhos eu não se me perguntar nao saberia dizer que tipo de conselhos meo pai me deo skaoksaosako