sexta-feira, 23 de abril de 2010

Até que chegasse um milagre

Não tive como reagir quando a arma disparou, foi uma fração de segundos enquanto tentei ficar calmo e entregar todo o dinheiro. O disparo atingiu minha perna, próximo ao joelho, mas na hora a dor não me atormentava. O medo maior era a iminência da morte, agora que podia ver claramente o rosto do assassino e sua mão tremia enquanto o revólver ainda soltava fumaça do primeiro tiro. Enquanto a arma permanecia na direção da minha cabeça, vi os melhores momentos do meu passado voltando como um filme em meu pensamento.

Senti o cheiro daquela noite que parecia ser a última e nem percebi que havia sido agredido na mesma perna que havia sido alvejada enquanto permanecia sangrando até que chegasse um milagre. O chute me fez acordar e urrar de dor. Ainda não havia entendido que estava realmente tendo meus últimos minutos de vida porque demorei a entregar os 120 reais que recém havia tirado do banco para comprar remédios para minha mãe. Me preocupei com ela e pensei em seu futuro e no que seria de seus dias sem a minha presença e pensei em implorar pela minha vida. Acho que à frente de uma arma, todo tipo de orgulho deveria morrer, mas não foi o que aconteceu.


Minha voz mudou, assumindo uma postura inacreditavelmente desesperada. Eu ordenava à aquele jovem viciado que atirasse logo. “Atira, atira, e estraga a tua vida, filho da puta. Puxa esse gatilho de uma vez, seu covarde. Acaba logo com isso”, ordenei, antes de ser mais uma vez agredido. Desta vez, não gritei de dor. Aproveitei sua desatenção e mesmo com a perna machucada o derrubei no chão, com uma rasteira. A arma novamente disparou dessa vez senti algo arranhar meu braço, que ardia. O revólver estava caído e o rapaz tentou pegar de volta. “Eu vou te matar, desgraçado. Eu vou te matar”, ele gritava.


Naquele momento, alguém falou por mim, aconselhando o bandido a ir embora. “Meu amigo, pega o dinheiro. O que tinha de ser feito, já foi. Não estraga o resto da tua vida, não te preocupa, vai ficar tudo bem, eu prometo. Fica calmo e vá em paz”. Lembro exatamente daquelas palavras e ainda tenho certeza de não ter as pronunciado. De qualquer forma, elas salvaram a minha vida, e também as daquele rapaz. Soube que foi preso dias depois e que, na cadeia, está se recuperando por mais incrível que isso possa parecer.

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