sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O suicídio

Era uma sexta-feira e chovia muito, tanto que ele nem podia ir à rua comprar o pão para a ceia. O velho morava sozinho há anos, depois que a amada morrera, acabou abandonado pelos filhos, sequestrados pelo mundo capitalista. Assistia à televisão que passava o noticiário abordando o mísero aumento de sua aposentadoria e olhava pela janela um casal de jovens correndo abraçados sob a chuva, buscando refúgio da tormenta. Num estalo, levantou-se e abandonou os comprimidos que tinha nas mãos. Abriu a porta e convidou o casal a entrar, até que a tempestade tivesse um fim.


Há muito tempo, o velho não enxergava mais o colorido da vida, suas únicas companhias eram a caixa do supermercado com quem trocava duas, três palavras diariamente, e seu cachorro – um cão de raça indefinida que havia sido companheiro de caça de perdizes. Todos os dias, ele cumpria o mesmo ritual, acordava quase de madrugada e sentava à beira do velho fogão a lenha e conversava com o Cusco (sim, era esse o nome do animal).


Ao ver o carinho que o jovem e a moça se tratavam, o velho sentia como se um filme passasse em sua cabeça. Lembrava do dia em que conheceu a finada esposa e da felicidade quando seus dois filhos nasceram. Por alguns segundos, parou observando aquele casal, que se olhava e se enxugava com a toalha emprestada pelo velho homem. Como a chuva não parava, o garoto começou a puxar conversa, dizendo que morava ali perto e que ouvira falar do passado do velho, ex-combatente de guerra.


Aquelas palavras mexeram com o saudosismo do homem, que abriu um sorriso e acenava positivamente com a cabeça, dizendo que aqueles eram tempos horríveis. “Não há nada de honra na guerra, eu não me sinto orgulhoso de ter feito parte disso, só de ter voltado e educado meus garotos”, disse, olhando para o horizonte e enxergando os comprimidos que há pouco carregava. Sentiu repulsa do que estava prestes a fazer e emendou: “vocês foram como anjos, por favor, aceitem minha gratidão pois quem recebeu abrigo hoje fui eu e não vocês”. Um tanto sem entender aquela atitude, com o velho estendendo várias notas de dinheiro a ele, o garoto não aceitou e se comprometeu a voltar.


Dias depois, o rapaz retornou para a casa do velho, encontrando-o morto sobre a cama, com um punhado de comprimidos na mão. Pensou tratar-se de suicídio, mas encontrou uma espécie de diário que parecia ser direcionado á amada esposa, onde se lia: “meu amor, preciso que me espere um pouco mais. Achei que não suportaria mais nenhum dia longe de ti neste mundo egoísta. Cheguei a pensar no suicídio, mas a bondade de um casal comigo em um dia de chuva me fez desistir. Me espera, um dia nos abraçaremos de novo”.


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