domingo, 16 de maio de 2010

Acordo de cavalheiros

Foi em um boteco de esquina, antes de um jogo de futebol que esta história foi contada com riqueza de detalhes. Dizia um senhor, do alto de seus sessenta e poucos anos, que a política sempre reservava boas pérolas que perduravam por anos. Aquela, iniciava ele, havia acontecido em uma pequena cidade do interior gaúcho, na noite que antecedeu a eleição municipal.

Foi uma das mais disputadas da história daquele município, com candidatos caricatos e extremamente diferentes em suas ideologias e capacidades. Como qualquer eleição, disse ele, venceu a melhor promessa, ou a que havia sido melhor trabalhada na televisão e nas ruas, diretamente com o povão. A imprensa apelidou o episódio de “acordo de cavalheiros”. Era uma noite fria, gelada e todos os cabos eleitorais estavam cansados das brigas e perseguições dos dias anteriores. Foi então que os generais dos partidos resolveram ligar para seus adversários, que na verdade eram amigos pessoais. A eleição tem o poder incrível de separar irmãos, o futebol não chega a fazer isso de forma tão forte. Naqueles telefonemas, nasceria o acordo de cavalheiros. Em meio a risadas, o velho tentava imitar a voz de um dos generais dos partidos, como se tivesse participado do chamado acordo eleitoral.

Foi mais ou menos assim “olha, o pessoal tá cansado e amanhã essa hora já vamos saber quem ganhou e quem perdeu. Então, que tal dar um gás final na campanha e todo mundo pode entregar os presentes nas ruas?”. Todo mundo caía na risada esperando o desfecho da história. O homem pegava no copo de cerveja e deixava todos angustiados, esperando os próximos detalhes. Depois de engolir a cerveja, continuou. “Foi uma correria, era rancho sendo entregue em tudo que era lugar. Tinha cabo eleitoral dos dois partidos largando na mesma rua e se cumprimentando. Era uma farra nos bairros mais pobres. O pessoal que optou pelo tradicional galeto para comprar votos se deu mal, faturaram poucos eleitores naquela noite”. Mas a gargalhada geral viria mais tarde, quando o homem contou que mesmo um ano depois da eleição, ainda havia candidato derrotado com mais de 100 quilos de galeto e carne bovina guardados em casa. “Um exemplo clássico da falta de logística e mau assessoramento na campanha”, terminou o homem. Fiquei pensando nesse acordo de cavalheiros, mas não entendi ainda por que a Justiça não fez nada mesmo a imprensa tendo conseguido fotos, gravações e detalhes do que aconteceu, material que também teria sido levado pelos partidos derrotados. Comentei essa dúvida com o velho contador da história e ele simplesmente disse: “Brasil, meu jovem”.

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