Não costumo voltar a pé de eventuais compromissos dessa vida jornalística. Talvez por isso eu esteja pesado demais (para não usar o termo gordo), mas enfim. Nesta sexta-feira, depois que fui até a Delegacia de Polícia para verificar se havia alguma ocorrência que merecesse registro, decidi retornar caminhando para a redação do jornal O CORREIO. Também para espairecer as ideias e refletir sobre alguns episódios desta semana. Além disso, o motorista estava em outro compromisso, blá, blá, blá. Telefonei, avisei e comecei a jornada de talvez um quilômetro até o edifício do Sistema Fandango de Comunicação.
Seria uma jornada rápida se meus olhos não tivessem parado na figura de um menino, que estava próximo a um prédio onde há uma dessas quadras para a prática de futebol de salão. Mochila simples às costas, no estilo sacolinha, um chinelo de dedos, camiseta de uma escola e uma bermuda preta. Segurava um pequeno caderno, daqueles de molinhas, os mais simples. Mas sua atenção estava dispersa. Como há um portão naquele prédio, atrás de uma das goleiras, ele assistia a um jogo de outros meninos, talvez da idade dele. Acho que ele deveria ter uns 12, 13 anos, não sei. Um moleque. A figura dele lembrava a de muitos guris com quem convivi no último ano na Escola Liberato Salzano Vieira da Cunha, nas oficinas de produção de jornal, onde fiz muitos amigos.
Cheguei perto do garoto, guardei a câmera no bolso. Eu poderia ter fotografado a cena de longe, só que não. Preferi ser egoísta guardando a imagem só na minha memória e também respeitar aquele momento do garoto. Curioso, tive de perguntar alguma coisa. “E aí, cara?! A fim de jogar uma bola com a gurizada ali?”. O menino se virou rapidamente, olhou para mim e sorriu. “Não, tio (eu não imaginei que estava tão velho)”. Logo, ele voltou a atenção para a quadra mais uma vez. E completou.
- “Eu adoro futebol, tio. Mas não jogo muito bem. E ali dentro eles cobram para jogar bola. Lá na vila a gente tem um campinho que dá pra fazer um ‘três dentro, três fora’ de graça e não iam falar nada se eu estivesse descalço. Eu não vou pagar pra jogar bola, tio. O dinheiro que eu ganhei vendendo uns chocolates na rua eu comprei esse caderno aqui, ó. Olha, tio. É do Homem Aranha, sabe aquele super-herói. E também, tio, eu não sou muito bom no futebol. Lá no campinho sempre me colocam de goleiro. Prefiro estudar, estou voltando da escola agora”, falou.
Respondi, sem falar nada, só acenando positivamente com a cabeça umas duas vezes. Tem horas que as coisas nos emocionam de uma forma que parece que uma faca atravessa nosso coração. A maturidade daquela criança me fez sentir isso. O menino não queria jogar bola, mas não tirava os olhos da quadra. Antes de sair dali, tentei consolar o moleque. “Eu também nunca joguei bola muito bem, cara. Aliás, nem goleiro eu era. Mas vou te deixar uma coisa”. Tirei do bolso a caneta que recém tinha usado para anotar informações.
- “Ó, pra ti usar na aula, cara”.
- “Ah, tio, não precisa. Olha, eu também comprei meus lápis com o dinheiro das trufas que vendi”.
- “Fica com ela, cara. Eu tenho outra lá no meu trabalho. E não vai muito tarde pra casa, hein”.
- “Relaxa, tio. Sei me cuidar. Muito obrigado”.
Eu me vi nesse moleque, por ter conquistado as poucas coisas que tenho pelo meu trabalho, e também, lógico, por amar futebol. E por uma lição que ele deu e que nada que eu escreva vai conseguir explicar.
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