sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O que a menina feia quer no concurso?

Eles diziam isso quando ela apareceu: “O que aquela menina feia quer se inscrevendo no concurso de rainha da cidade?”. Questionavam sua origem, já que nunca havia sido vista nos eventos da sociedade. Nem imaginavam, mas a menina a que chamavam de “feia” era das famílias beneficiadas por seus eventos regados a champanhe cuja renda era destinada a entidades assistencialistas ou para caridade.
Cadu olhava para aquela menina, em meio ao desfile, e compreendia a sua vontade. Ela não queria ser rainha, não estava ali pelas mesmas razões justas de suas concorrentes. Ela não via as outras meninas como adversárias. Olhava para o lado e sabia que estava próxima de seus sonhos. Do alto de nossos preconceitos, nós que somos perfeitos, sequer pensamos no que a menina trazia em seu coração, no íntimo de seu coração. Cadu me contou tudo.
A menina, aquela que eles deram como azarão no concurso, só queria ser vista. Na escola, ela não chamava atenção de ninguém quando passava. Seus cabelos não eram bem cuidados, estavam sempre presos, amarrados, desbotados. Os rapazes não viravam para ela na faculdade, ela não frequentava as festas da turma porque passava a madrugada ajudando a mãe a preparar os chocolates que eram vendidos no comércio, para ajudar nas despesas do curso superior.
A menina, revelou-me Cadu, só queria que prestassem atenção, queria dizer que existia. Ela não ligava para o que falavam da escolha da rainha, que fulana já havia vencido, que os pais de outra garota iriam comprar os jurados. Ela achava isso tudo pequeno. Ela só queria se divertir. Foi com as economias do chocolate e limpando casas que ela conseguiu o dinheiro para a compra de seu vestido, velho é verdade. A empresária que vendeu o vestido desejou boa sorte, mas lamentou não poder ajudar com um desconto maior. Estava falida, apesar de seguir frequentando os eventos da sociedade.
Então, chegou o grande dia. A menina, seu nome era Jade, como a pedra preciosa, ficou em frente à banca de jurados. Foi quando perguntaram: “por que você quer ser rainha, menina?”. Jade percebeu alguma ironia, mas não se importou e respondeu. “Não quero ser rainha, nunca quis. Ora, por que uma menina feia seria rainha, não é mesmo?”, disse. Todos paralisaram, foram segundos intermináveis, Jade sorria. Do alto de sua simplicidade, ela ria. Jade não foi eleita rainha. Qualquer outra menina venceu. Dizem que era linda a rainha eleita, mas a sociedade não deixou de dizer: “ela só ganhou porque seu pai era um dos patrocinadores do evento, a fulana era muito mais linda”.
Foi Cadu quem me contou sobre a história de Jade. Cadu era do nosso grupo de amigos, todos machistas assumidos. Nós que priorizamos sempre a beleza, pois é fundamental, como dizia o outro Vinícius. Cadu era tido como herói do grupo porque se relacionava somente com as beldades, vencedoras de concursos, as garotas mais delicadas, as peles mais bem tratadas, os vestidos mais atraentes. “Eu nunca teria visto Jade se não fosse o concurso. Nunca a teria notado. Não teria ouvido aquelas declarações corajosas ao jurado, nem jamais me apaixonaria tanto por alguém na vida como aquele dia. Jade pode ser a menina feia para a sociedade. Depois que namoramos, ela contou que havia sonhado que conheceria seu príncipe em um evento muito importante. Eu não sou príncipe, sou um vagabundo. E ela, ah, Jade é minha rainha”.
Agora, eles vivem dizendo. O que aquele jovem médico quer casando com aquela menina feia. Eles que leram apenas o título, que recusaram o livro porque não gostaram da capa, que não aceitaram ouvir o resto da conversa e preferiram brigar, que viram apenas uma embalagem feia, e não notaram o que havia dentro do presente que ganharam no Natal. E eu fico me perguntando, o que eles querem no mundo?  

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