domingo, 16 de fevereiro de 2014

Quase nunca choro

Chorei. Não tem explicação. Chorei porque pensei no que queria escrever aqui, e umas duas lágrimas escorreram, tímidas. Durou 12 segundos. A sensação passa enquanto as palavras se unem. Chorei porque lembrei um senhor que “conheci” essa semana. Ele é serviços-gerais, eu não sei nada, absolutamente nada sobre ele. Mas todos os dias pela manhã, lhe desejo bom dia e ele responde sempre com um sorriso no rosto, enquanto está varrendo o estacionamento de um estabelecimento. Eu não sei por que essas coisas me fazem chorar.
A minha vida não me faz chorar. Perdi meu pai após dois longos anos de sofrimento e no dia do velório, do enterro, não chorei. Aqueles que nunca conheceram minha dor me chamaram de insensível, sequer sabiam quantas noites passei no hospital depois do trabalho cuidando dele porque não tinha grana para pagar alguém para fazer isso. Quando meu tio Vicente Sartori faleceu - vítima de um maldito câncer descoberto tarde demais - também não derramei sequer uma lágrima. Isso foi acontecer depois porque lembrei do quanto ele foi bacana comigo enquanto viveu, era um desses caras de quem não se fala nada contra.
Não reclamo dessas dores, eu sei que Deus em sua sabedoria me deixa mais cascudo com essas provações. E tem tanta parada mais cruel no mundo que eu penso “dane-se o meu problema”. Tem uma frase do Coringa, num dos filmes da trilogia do Batman, que diz: “o que não te mata te deixa mais estranho”. É uma bela definição.
Tem umas pessoas invisíveis que me fazem chorar também porque fico pensando diversas paradas enquanto assisto à sua rotina. Um exemplo são as varredoras de rua. Essa semana ouvi palavrões porque fiquei observando uma senhora secando o suor do rosto, quando ainda estava aquele calorão, enquanto limpava a rua. Ouvi um reino de um babaca porque estava com o carro parado e o sinal já havia aberto. Todo mundo tem pressa de chegar mais cedo a algum lugar. E nem sabem que no trânsito podem conseguir um atalho para a morte, mas já desisti de conscientizar esses ignorantes.
Talvez eu chore porque gostaria de ajudar essas pessoas a livrarem-se de suas dificuldades, de exploração, de falta de valorização, da dor de perder alguém. Minha preocupação com o mundo ao meu redor é tanta às vezes que chego a esquecer meu coração nos bares da cidade. Sei o que o trabalhador enfrenta todos os dias, e também em relação a isso não posso me queixar. Sempre fui muito bem tratado pelos meus patrões. Aliás, só essa semana, o Pedrão Germano me deu dois abraços de gordo. Um dos abraços eu pedi porque estava voltando de férias, e talvez porque sou puxa saco. Algumas atitudes valem muito, valorizar não é só dar aumento salarial.
E talvez chore por causa da profissão, queria poder abraçar o mundo e contar todas as suas histórias para que alguém se sensibilize e possa ajudar. Isso acontece muito no Sistema Fandango de Comunicação e preciso agradecer, de coração, a cada ouvinte, leitor, que faz doações. Duas cenas me emocionaram muito aqui nos estúdios da rádio, quando o Nilton Silveira falou da alegria de uma menininha que havia sido presenteada com uma boneca no dia do aniversário. Sua mãe havia pedido pela rádio porque não tinha condições de comprar o brinquedo. Outro dia foi quando um rapaz veio de Bruxelas e em cinco minutos de entrevista encontrou a família biológica que não via há quase 30 anos. Chorei, escondido dos colegas, mas chorei. Agora todo mundo sabe que choro, mas não tanto por mim. Não me acho digno das minhas lágrimas com tanto problema ao meu redor.

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