Quando você vive em uma redação de jornal, crimes, assassinatos, tragédias e corrupção passam a ser parte do seu cotidiano e de certa forma você até se acostuma com isso. E em muitas oportunidades, você é capaz de se tornar até uma pessoa fria para alguns acontecimentos. De qualquer forma, jornalistas também são seres humanos e, claro, têm sentimentos em relação a alguns casos. Nesta semana pela segunda vez vivi a experiência de acompanhar uma tragédia com alguém próximo. Meu amigo matou um cara, de forma até cruel, na traição, como se costuma dizer nos filmes.
Eu recebi a informação quando vinha para o trabalho e a primeira reação foi de incredulidade, até pensei se tratar de uma piada ou mais um caso exagerado. Esse meu amigo, lamentavelmente, estava há muito tempo sofrendo no mundo das drogas. Não poucas vezes falei para mim mesmo da pena que era um cara com enorme talento desperdiçando a sua vida no álcool e no pó. A sociedade (e me incluo na lista) costuma julgá-los como sem vergonhas, vagabundos, do alto de sua idoneidade, correção e preconceito. E não estamos fazendo quase nada para acabar com problemas como esse. Eu não lembro de ter ajudado nenhum dia meu amigo a enfrentar o vício, como outros colegas dele tentaram ao menos. Eu fui omisso, embora não raras vezes ele tenha sido atencioso, prestativo comigo.
Agora, para a sociedade, ele é um assassino, um animal que deve ser retirado do convívio para ser jogado em uma cela e pagar por seu crime. E provavelmente isso seja realmente necessário, embora a cadeia devesse servir para ele se recuperar, ao invés de somente deixar que se acabe ou se torne um criminoso com novas especialidades, porque todos sabem que a prisão é uma escola do crime. Para nosso senso de Justiça, acho que meu amigo deve, sim, pagar por seu ato. Sou do tempo da pedra em que se você erra, tem que pedir desculpas, e se o erro é grande precisa de um corretivo. Não aquela coisa de olho por olho, porque alguém já escreveu que assim o mundo acabará cego.
E estou tirando algumas lições de todo este episódio. Um dia, num acesso de insanidade, você pode jogar a sua vida fora. São segundos de uma decisão que estragam anos, décadas. Fiquei mais convicto ainda do mal que a droga nos causa, a todos nós. Neste caso, são duas famílias e uma imensidão de amigos e uma sociedade chocada, abalada, cheia de opiniões sobre o problema, mas com poucas soluções e menos ações para acabar com problemas dessa envergadura. Mas nós vamos continuar assistindo a isso, porque alguns acham bonito tomar um porre e sair por aí dirigindo, outros não veem problema algum em cheirar um pó e para piorar tem aqueles que estão se lixando se alguém foi assassinado. E do meu amigo, só posso esperar que um dia se recupere e que seja perdoado... Ou ele terá o mesmo destino de sua vítima.
2 comentários:
um dos textos mais bacanas e sensatos que já li seu!!!
parabéns
Como sempre, mto bem escrito!
Acho que descreveste exatamente o que senti... não era íntima, nem convivia com ele, mas gostava da forma como escrevia, trabalhava. Admirava o profissional.
Não fiques te culpando qto a ajudar. Nem sempre conseguimos mostrar às pessoas o qto gostamos delas ou o qto desejamos o bem do outro... um dia terás oportunidade de demonstrar... através desse artigo, já demonstraste!
Abraço, amigo querido!
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