Foi em um boteco que aprendi muitas coisas esse ano e agora percebo que o fim de ano vai ser dolorido pra mim, mais do que o normal, já que dezembro não é um mês de boas lembranças. Um senhor, que tomava uma cachaça, me chamou para conversar. "Tô trabalhando, tio, agora não posso", tentei, estranhando ver um cara bem trajado num lugar como aquele, aqui perto de casa. Que nada, o homem insistiu e me convenceu. "E quando tu estiveres morrendo, como eu, vítima de câncer agora, não vai querer que alguém te dê pelo menos atenção?". Como não parar e ouvir? Aceitei a cachaça, um martelinho que desceu queimando.
O velho começou a me contar sobre sua vida e o trabalho, das coisas que conquistou. Me mostrou o carro, no lado de fora. Um Vectra GTX, bonitaço. "Fruto de anos de trabalho e dedicação que não sei pra que valeram", disse. "Mas é um belo carro, tio", comentei. Falou que era meu leitor assíduo, que admirava meu estilo e me deu os parabéns pelos programas de rádio. "Tu e o teu amigo, o Carlos Dickow Júnior, me divertem todos os dias à tarde, escuto vocês pela internet e passei a assinar o jornal que tu estás agora", comentou. Agora, no fim da vida, ele percebeu que nunca havia cumprido nem metade das promessas que fizera na adolescência, de aproveitar a vida, de fazer coisas das quais se orgulhasse. "Me dediquei a uma profissão para viver fazendo de conta", falou. Eu não entendia se aquilo era efeito da cachaça...
"Olha, guri, essa deve ser a quarta vez, desde os meus 18 anos, que bebo uma caninha. Não tenho esse costume embora eu lembre que isso era muito bacana com meus amigos, de faculdade. Bebíamos e jogávamos cartas... Eu preservei minha saúde esse tempo todo pra quê, esqueci meus amigos". O velho começou a me contar histórias de sua vida, de seus amores e coisas da política, porque na cabeça dele eu entendo do assunto. Me pediu que escrevesse qualquer coisa, em qualquer lugar sobre a conversa. E eu venho adiando isso faz alguns meses. Agora, que todo mundo faz promessas e comemora o ano acabando, me pareceu um momento interessante. Talvez não seja. Não sei. Na minha ignorância, falei para ele que ainda era tempo de viver, de fazer coisas novas e se divertir. Convidei a participar do programa que ele elogiou, pra rir e brincar com a gente. Soube hoje que meu companheiro de cachaças faleceu. Os familiares, lá de Candelária, me telefonaram dizendo que entre os pedidos que fez, há alguns dias, era que me agradecessem, mas não poderia ir no programa. "O seu Vasco disse que foi uma honra conversar contigo e desejou sucesso na sua vida. Pediu que o senhor não esquecesse da promessa de escrever algo sobre uma conversa que tiveram. E mandou para o senhor alguns recortes de jornais antigos que ele colecionava, reportagens históricas que gostaria que o senhor lesse".
Último dia do ano e eu comecei chorando pela amizade que fiz em um boteco onde fiquei mais de hora conversando com um amigo com quem troquei telefone e prometi escrever sobre nosso papo que envolveu solidariedade, a escravidão do trabalho e até mulheres. Conversar com pessoas mais velhas ensina mais que ler um livro. Perdi um amigo, por mais que isso possa parecer exagerado já que só vi ele uma vez. Mas o fato de ele pedir pra uma das filhas me telefonar, e dizer que fui um dos amigos que ele citou dias antes de descansar mexeu comigo. Vou cumprir a minha promessa de continuar me dedicando à vida buscando a felicidade, como o senhor me pediu... Adeus, velho...
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