Estava esperando no gabinete de um ex-prefeito para uma entrevista quando a ouvi chegando. Só ouvi os sons de seu salto alto e percebi seu vulto passando por uma porta entreaberta. Apenas isso e me apaixonei perdidamente. Parecia que ela cantava pisando o chão, que talvez adorasse cada passo que ela dava. Não combinava uma mulher com aquela pisada firme no serviço público, onde muitos costumam fazer corpo mole. Precisava conhecê-la, precisava sentir seu perfume e admirar seu caminhar de perto. Enquanto esperava pelo político, aguardava também que ela retornasse para pedir qualquer informação desnecessária e emplacar uma bobagem que provocasse nela risos.Imaginei-a descontraída ouvindo minhas histórias incríveis do jornalismo, imaginei-a indignada se eu criticasse o trabalho de seu patrão e também sonhei em vê-la admirada pela minha capacidade de debater sobre os problemas da cidade. Ponderei que a cansaria com minha conversa e pediria para que falasse de sua vida, de sua rotina, de seu horário de saída. Enquanto esperava que ela voltasse com os sons de seu salto alto, rabiscava qualquer coisa no bloquinho incapaz de ser compreendida, mas que certamente serviria de inspiração algum dia. Jamais descobri quem era a dona daquele salto alto. Mas guardo na memória ainda o ritmo de seu caminhar. Plact, plact, plact.
Mas essa semana, o mesmo som retorna, ainda mais interessante. É a garota que está entrando no meu quarto, vestindo um salto alto, preto, a lingerie da mesma cor que eu prefiro nem detalhar e uma blusinha branca, gentilmente desabotoada próximo dos seios. É incrível como uma garota fica sensual em cima de um salto. Seus cabelos longos desafiam minha capacidade de discernimento. Seu perfume inunda a bagunça de meu quarto, onde há jornais atirados pelo chão, roupas jogadas sobre o ventilador que espalha um vento capaz de arrepiar qualquer espinha.
Dominadora ela ordena: “Para de trabalhar, está tarde. Agora a pauta sou eu e tu vai escrever essa história depois”. A caneta que eu mordia com a boca enquanto pensava nos afazeres é atirada longe, nunca mais a encontrei. Ela me beija. Não era um beijo, me sufocou. Sobre meu corpo, altiva, me olha de cima de seu salto, apoiado em meu queixo. Ela sorri. Um riso debochado e sensual, sabe que me tem como deseja. Beijo suas pernas, enquanto seguro a ponta do sapato. “Safado, cachorro” e outras coisas impublicáveis são ditas. Pescoço arranhado, beijos demorados, uma cena perfeita, repleta de pecado.
E quando o calor acaba, apenas um som em minha cabeça e uma imagem. O vulto dela saindo pela porta do quarto, completamente nua, poderosa sobre um salto. Me sinto amado, eternamente perdoado, por um dia ter condenado qualquer mulher que não sabe andar de salto alto.
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