segunda-feira, 21 de julho de 2014

Tão rápido

O que não entendiam foi como aconteceu tudo tão rápido depois daquele beijo que começou bem devagar. Era tímido, quase nem mexiam as mãos minutos antes, nem diziam nada. Depois, ficaram se olhando, talvez por poucos segundos, ou foi um long...o tempo. Ficaram apenas se olhando, enquanto seus sorrisos brotavam singelos, escondidos, se abriam aos poucos.
 
Ela se inclinava, olhos fixos. Ele a acolhia, agora com a mão pousada sobre seus cabelos. Não a puxava, a possuía apenas. Encostaram um na testa do outro, sentiam a respiração perder a calma. E não entendiam como tudo aconteceu tão rápido.
Dali para o próximo convite não demorou um, nem dois dias. Foi na madrugada mesmo. Ele ligou, ela topou. Sem medo de parecer uma vadia, como alguém diria ou a condenaria. Dentro do carro, se beijaram de novo, agora com saudade da mesma sensação do primeiro toque, dos últimos beijos. As mãos dele procuravam o pescoço dela, que abraçava-o com força e ternura. Lábios que se entendiam lentamente. Carícias que se perdiam num furor despreocupado com o dia seguinte.
Sentiam que era algo a mais, que não era só desejo. E decidiram experimentar, uns dias depois, esse lance que chamam de amor. Na real, só queriam se curtir. Nem se preocupavam com esse lance de sofrer, e de dor. Os dois já haviam sofrido, nessas idas e vindas de amor. Então, estavam lá, muito tempo depois. Juntos, mãos dadas. Se beijando ainda como se fosse a primeira vez. Não há compromisso, mas sempre que se beijam seus olhos confessam uma declaração de amor, que suas bocas não pronunciam. Porque não precisa.

Mulher demais

Até os mais corajosos viram covardes quando ela passa. Boate lotada, luzes fracas, ela ilumina o lugar. É mulher demais, em cima de um salto com mais de oito centímetros de desdém de nosso interesse. Enfeitada por saia e blusinha pretas, ela anda a passos firmes deixando meus pensamentos perdidos. Observar seu corpo seria o mais natural, imaginar seu interior que provoca algo fora do normal.
 
Seus longos cabelos negros e lisos, debochadamente lisos, encontram o único vento disponível na festa para aquela tradicional jogada de cinema, quando voam no ar, flutuam, liberando seu perfume de saudade, da infância, de acolhida. Ela está sempre acompanhada de mulheres simples, porque perto delas todas assim se tornam. A vejo e fico imaginando se algum dia uma mulher demais como ela já chorou ou sofreu por um desses caras que brincam com sentimentos.
Se alguém conseguiu ser tão canalha ao ponto de fazer com que a maquiagem que realça seu olhar já foi borrada por lágrimas desnecessárias e absurdas. Se algum dia ela se apaixonou, e não foi correspondida. Porque a impressão que passa é que ela poderia estalar os dedos e qualquer um naquela boate estaria aos seus pés, pagando a bebida que ela quisesse e a tirando pra dançar apenas para ela não ficar parada próximo do bar.
É mulher demais, por mais que seja apenas uma deusa. É mulher demais porque o sorriso se confunde com o de menina. É mulher demais porque impõe medo, respeito e admiração. Mulher demais porque não se imagina alguém brincando com seu coração. Mulher demais porque inspira. E a gente nem respira quando ela passa.

sábado, 12 de julho de 2014

O golpe da moreninha

Era fim de expediente e Pedro não via a hora de atender a última paciente. O dia havia sido cansativo mais uma vez. Todos os dias ele viajava 120 quilômetros para atender no município vizinho, eram sete horas de trabalho direto entre consultas e atendimentos. Aquele dia, ao passar pelo corredor, uma moreninha, que tinha mais ou menos 20 anos, chamou a atenção do jovem médico. Mexia no cabelo com o dedo indicador, o enrolando olhando para o vazio. E ao ver Pedro passar, lançou um olhar interessado.

Já passava das sete da noite quando a moreninha entrou no consultório para ser atendida. O jovem questionou o que a incomodava, e esta relatou que vinha sentindo fortes dores na região do abdômen. Ela sorria, embora afirmasse estar com dores. Pedro pediu que ela deitasse e tocou seu estômago, perguntando se a dor era naquele ponto. “Não, doutor. É mais para cima”, disse, a voz doce, arrastada.

“Aqui?”, ele perguntou, com a mão noutro ponto.

“Não, um pouco mais”.

Pedro sentiu que algo estava errado quando a garota abruptamente puxou sua mão e a colocou sob o seio. Constrangido, ele rapidamente sentou-se e passou a prescrever qualquer medicamento. Quando olhou para o lado, a moreninha estava completamente nua do seu lado. “O senhor não vai me examinar mais?”. Mil pensamentos passaram pela cabeça de Pedro, principalmente o fato de a concorrência vir tentando, meses atrás, fazer com que ele e seu sócio fechassem a clínica e parassem de disputar seus clientes. Certo de que se tratava de um golpe, Pedro recuou, e agradeceu à garota, mas avisou que nada aconteceria.

Semanas mais tarde, a moreninha foi atendida pelo sócio de Pedro, Carlos Eduardo. Cadu agiu diferente e acabou caindo completamente nos encantos da garota. Quando a recebeu, notou suas intenções e a possuiu ali mesmo, na sala de atendimento. O caso foi denunciado. Cadu acabou expulso da cidade. Três anos depois, já recuperado, ele esteve num barzinho com a gente e viu a mulher que havia o destruído para aquela cidade. Ana Maria estava rodeada de suas amigas, enquanto o som do pub tocava uma canção sertaneja qualquer. “Vejam, é a moreninha”, disse Cadu. Pedimos que o amigo não fizesse nenhuma besteira, que esquecesse. Ele não quis saber, foi até a mesa onde ela estava e começou a falar para as amigas. “Vocês sabem quem é essa mulher?”, questionou.

A garota pediu que ele parasse, explicando que poderiam sair para conversar, já que estava extremamente envergonhada.

“Pois eu vou dizer quem ela é. Essa moreninha é o amor da minha vida e até o dia de hoje eu sonhava em reencontrá-la”. Ana Maria não acreditou nas palavras, sorriu e levantou-se para abraçar o homem que outrora prejudicou por uma boa quantia em dinheiro. O golpe da moreninha, afinal, não funcionara. Cadu estava apaixonado pela melhor tarde de amor que tivera até então. Pediu Ana em casamento, para ter as melhores noites de amor pelo resto de sua vida.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Simplicidade

Ele tem problemas de aprendizagem, talvez seja uma deficiência mental até. Perambula pela cidade todos os dias vendendo algumas coisas que sua única parente, talvez uma tia, prepara para ter renda em casa além da pensão deixada pelo marido falecido. Ele não sacaneia ninguém, pelo contrário, está sempre brincando. Já não é uma criança, mas mantém aquela ingenuidade do olhar curioso pro mundo. Tanta inocência que se deixa ser humilhado às vezes, talvez sem saber, talvez sem se importar. Na lan house pública perto de sua comunidade, ele e todos os amigos acessam a internet. Enquanto os outros fuçam o face e jogos, ele pesquisa sobre coisas que a tia havia lhe pedido. Nunca o vi forçar uma venda, insistir, reclamar de sua condição para comercializar as empadinhas, os doces. Sempre fala que foi a tia quem fez e que ela capricha, ele a chama de tia, mas também me chama de tio, então, não tem como saber se é uma mãe, irmã... Dia desses, ele foi abordado por uma dessas madames, que o tratou muito mal, debochando de sua simplicidade por não saber o que era o tal sushi que ela disse que ele deveria vender, porque ela não comia "aquelas porcarias". Ele saiu, sem entender as risadas que ela deu, e pediu licença, agradecendo. Mas dava para notar sua tristeza pelas risadas que ouvira. Nesse dia fui atrás e comprei toda sua cesta de lanches, distribuí para os colegas. Então ele me olhou e perguntou:
"Tio, o que é sushi?".
"Não é nada, cara. Na próxima, tu diz pra ela comprar sushi e enfiar no cu".