A melhor tradução da vida é que ela é uma gangorra, aquele brinquedo infantil em que às vezes você está por cima, e noutras horas lá embaixo. E seus sentimentos fazem isso, às vezes impulsionado ou não pela força que você faz contra o mundo do seu lado da estrada, ou que o mundo faz contra ou a seu favor te colocando pra cima ou o contrário.
Quando você está por baixo, tem que lembrar que logo vai subir de novo e não ficar mal. A mesma coisa quando está por cima, e não ficar pensando ser um ser superior. E infelizmente precisa perceber que nem todo mundo pode estar lá em cima. Talvez por isso seja incrível quando a gangorra se equilibra e você vê o outro com as mesmas condições que você, mas vulnerável já que um movimento pode colocar tudo em outros lugares.
Seria um mundo ideal se a gangorra ficasse parada e todo mundo no mesmo lugar? Ou seria injusto já que alguns se esforçam mais para subir, enquanto outros esperam que o impulso de sua vida seja dado por terceiros? Não seria, porque a gangorra é um brinquedo. Um brinquedo feito para se divertir, como a vida. Todo mundo sabe como se brinca na gangorra, mas a vida ninguém conhece e cada um brinca de uma forma, ou nem brinca.
O problema é com quem você entra na brincadeira, quem vai te colocar lá em cima e fazer se sentir incrível e que se um dia se for, fará parecer que essa gangorra da vida perca muito de sua graça, porque ficou muito claro que sem ela será impossível brincar de novo de verdade. A gangorra fica sem graça sem gente divertida. A vida também.
sexta-feira, 28 de março de 2014
quarta-feira, 26 de março de 2014
Chegada
Quando chegar, a porta vai estar aberta e vou estar na sala, no mesmo sofá que fizemos amor no mês passado, antes de brigarmos e discutirmos porque estávamos arrasados e cansados. Quando chegar, não me peça perdão, apenas abrace, esquece isso de discutir a relação, por favor, só me enlace. Quando chegar, não me peça um beijo, conquiste, não me venha com malícia, sussurre.
Diga que voltou e que não sabe até quando, me deixa na dúvida, de não saber se está me amando. Quando chegar, pede um vinho pra gente, coloca uma música pra tocar, me olha de frente. Me diz que demorou porque perdeu pro orgulho, porque agora ficamos juntos, não tem mais razões para ir embora. Quando chegar, nem me avisa a hora. Que eu cansei de esperar, sua indecisão me corroeu, foi me sepultando aos poucos, e você quase me perdeu. Mas se chegar logo, me diga de novo, aquelas suas mentiras desnecessárias, para eu te dizer: você é um cachorro.
Diga que voltou e que não sabe até quando, me deixa na dúvida, de não saber se está me amando. Quando chegar, pede um vinho pra gente, coloca uma música pra tocar, me olha de frente. Me diz que demorou porque perdeu pro orgulho, porque agora ficamos juntos, não tem mais razões para ir embora. Quando chegar, nem me avisa a hora. Que eu cansei de esperar, sua indecisão me corroeu, foi me sepultando aos poucos, e você quase me perdeu. Mas se chegar logo, me diga de novo, aquelas suas mentiras desnecessárias, para eu te dizer: você é um cachorro.
sábado, 22 de março de 2014
Rosas recusadas
Juca abandonou o escritório no meio da tarde e partiu para a floricultura para mandar flores para Cristiane. Ele havia conhecido a garota em uma boate há duas semanas e sentiu que era amor à primeira vista e pelos beijos que haviam dado, já fazia planos de convidá-la para um encontro especial. Não tinha coragem de ligar e simplesmente convidar, e pensou em ser romântico, afinal de contas isso talvez não fosse tão comum hoje em dia.
"Caras, comprei as rosas mais caras daquela maldita floricultura. Escrevi com as mãos trêmulas um bilhete, onde confessei meu amor por ela. Peguei minha bicicleta e rumei até o prédio onde ela trabalha. Vocês não imaginam como ela estava linda, incrivelmente linda. Ela é um deboche de tão linda, aqueles olhos verdes, aquela cintura perfeita e ainda por cima usando um vestidinho social que... Bem, não preciso dizer o que essas roupas sociais delas fazem com meu coração, né?". Contava a história no meio do trabalho, era incrível como gente de outros setores havia parado para ouvir a história de Juca. Ele continuou, agora interpretando as cenas.
"Deixei a bicicleta largada na calçada, dei um tapa no visual e bipei em seu celular dizendo que estava ali. Ela não esboçou reação alguma pelas flores. Sabem o que ela fez? Atirou o buquê em mim e virou as costas, sem dar a mínima satisfação. Eu fiquei ali, atirado com as rosas recusadas na mão, arrasado. Sabe quando vocês apostam muito em uma garota? Daí, começou a chover e eu ali, como um imbecil, com aquele buquê, sentado no meio fio. Ainda bem que o Vini passou, colocou a magrela no porta-malas e saímos dali".
O resto da história não merece ser contada. Juca mudou de nome. Nós o chamamos de presidente. É porque ele dita as regras no clube desde que o tirei da calçada, todo amassado e o fiz conhecer um lugar onde as luzes nunca se apagam. Algumas mulheres recusam flores, outras se apaixonam por buquês enfeitados. O presidente jamais poderia ter colocado sentimento naquelas flores. Aliás, para mulheres como Cristiane, seria mais útil se ele tivesse perguntado quanto ela cobraria pela tarde de sexo. Certamente sairia mais barato que o valor pago pelo buquê, e certamente bem menos do que gastamos naquela tarde, que virou a noite e a manhã seguinte. Mas essa é aquela história interessante, que vai ficar para outra hora.
quarta-feira, 19 de março de 2014
Nós fugimos
Foi numa tarde qualquer que decidimos fugir. Eu a apanhei perto do trabalho e partimos sem rumo. Era uma viagem sem volta. O destino acabou sendo nosso primeiro beijo. Não demorou segundos para que nos arrependêssemos. E menos tempo ainda para o segundo beijo. Foi quando nos tornamos fugitivos de nós mesmos, de nossas vidas. Ela me salvou. Durante toda minha existência havia procurado uma garota capaz de me surpreender e que tirasse de uma rotina cansativa de amores desinteressantes. Foi quando ela apareceu e destruiu meu mundo perfeito num instante. E tudo passou a rimar.E na perfeição de nossos encontros e nossos erros, encontramos um amor daqueles que o cinema gostaria de acreditar. Um amor que consegue ser verdadeiro sem cobrar. Ser por inteiro sem estar. Estar presente, sem tocar. Passamos a namorar sem cobrar, sem nos encontrar. Fugimos de toda tentativa estúpida de dar certo. Viajamos sozinhos, moramos tão perto. Encontramos as pegadas de um amor recém-descoberto. Somos cúmplices de uma relação de confiança sem cobrança, uma alucinação. Hoje, somos vítimas de nossa paixão.
Numa manhã nos vimos pela última vez, ela andava noutro mundo, eu esperava a minha vez. Descobri que nos encontramos quando fugimos para um amor só nosso. Agora ela diz que me ama. E fechamos a porta do carro. Chegamos aonde devíamos. Estamos perdidos no meio do nada. Só temos um ao outro, e as nossas risadas. Eu me aproximo de seus lábios, ela sorri. Não precisa mais nada. Não sei onde fui parar, mas ela está também aqui.
segunda-feira, 17 de março de 2014
Aprender com as crianças
A gente deveria aprender muitas coisas com as crianças. Porque se pararmos para pensar o mundo ficou como está porque educamos as crianças de forma errada. A corda esticada parece que vai arrebentar a qualquer momento com a sucessão de preconceitos e discriminações que rolam o tempo todo.
Quer saber. As crianças não ligam para a sua cor, se você é preto ou branco. Nem pra classe social. Elas não estão nem aí se você chegar na casa delas num carrão, a pé ou de bicicleta. Mas elas vão chorar se você as tratar mal. As crianças não tratam outras mal porque elas gostam de funk, não rola essa discriminação estúpida. Elas acham maneiro o barulho que toca e dançam. A maldade está é na sua cabecinha e no que colocaram nela.
Temos mais a aprender do que a ensinar, sem dúvidas. Não fosse a irresponsabilidade por não conhecerem as consequências de seus atos, as crianças seriam muito melhores que os adultos. Elas não falam mal de outras crianças, não se importam se a outra é gorda, baixinha, se engatinha errado. Elas sabem o é o amor é. E não tem nada a ver com essa complicação que você inventou pra justificar suas mancadas. O carinho delas será de quem as tratar bem, simples assim. E há explicação mais objetiva? Crianças não enganam, não roubam, nem acusam ninguém de ter feito o que elas fizeram. As crianças sentem quando alguém não gosta delas e não fingem gostar destes monstros.
O mundo muda todas as crianças. Um relacionamento mal sucedido acaba com as ilusões da garotinha apaixonada, que decide viver o tempo que perdeu. Um golpe bem dado pelo vizinho fere as ilusões do trabalhador que acreditava que era do seu suor que viria a felicidade. O jogo do time do coração faz com que as crianças não lembrem que todos eram amigos e acabem entrando numa onda de violência. Uma piada boba não faz a criança rir, como deveria ser natural, mas sim processar quem a contou. O mundo se torna tão mesquinho que parece maldade colocar uma criança nele...
Quer saber. As crianças não ligam para a sua cor, se você é preto ou branco. Nem pra classe social. Elas não estão nem aí se você chegar na casa delas num carrão, a pé ou de bicicleta. Mas elas vão chorar se você as tratar mal. As crianças não tratam outras mal porque elas gostam de funk, não rola essa discriminação estúpida. Elas acham maneiro o barulho que toca e dançam. A maldade está é na sua cabecinha e no que colocaram nela.
Temos mais a aprender do que a ensinar, sem dúvidas. Não fosse a irresponsabilidade por não conhecerem as consequências de seus atos, as crianças seriam muito melhores que os adultos. Elas não falam mal de outras crianças, não se importam se a outra é gorda, baixinha, se engatinha errado. Elas sabem o é o amor é. E não tem nada a ver com essa complicação que você inventou pra justificar suas mancadas. O carinho delas será de quem as tratar bem, simples assim. E há explicação mais objetiva? Crianças não enganam, não roubam, nem acusam ninguém de ter feito o que elas fizeram. As crianças sentem quando alguém não gosta delas e não fingem gostar destes monstros.
O mundo muda todas as crianças. Um relacionamento mal sucedido acaba com as ilusões da garotinha apaixonada, que decide viver o tempo que perdeu. Um golpe bem dado pelo vizinho fere as ilusões do trabalhador que acreditava que era do seu suor que viria a felicidade. O jogo do time do coração faz com que as crianças não lembrem que todos eram amigos e acabem entrando numa onda de violência. Uma piada boba não faz a criança rir, como deveria ser natural, mas sim processar quem a contou. O mundo se torna tão mesquinho que parece maldade colocar uma criança nele...
quarta-feira, 12 de março de 2014
Os sons do salto alto
Estava esperando no gabinete de um ex-prefeito para uma entrevista quando a ouvi chegando. Só ouvi os sons de seu salto alto e percebi seu vulto passando por uma porta entreaberta. Apenas isso e me apaixonei perdidamente. Parecia que ela cantava pisando o chão, que talvez adorasse cada passo que ela dava. Não combinava uma mulher com aquela pisada firme no serviço público, onde muitos costumam fazer corpo mole. Precisava conhecê-la, precisava sentir seu perfume e admirar seu caminhar de perto. Enquanto esperava pelo político, aguardava também que ela retornasse para pedir qualquer informação desnecessária e emplacar uma bobagem que provocasse nela risos.Imaginei-a descontraída ouvindo minhas histórias incríveis do jornalismo, imaginei-a indignada se eu criticasse o trabalho de seu patrão e também sonhei em vê-la admirada pela minha capacidade de debater sobre os problemas da cidade. Ponderei que a cansaria com minha conversa e pediria para que falasse de sua vida, de sua rotina, de seu horário de saída. Enquanto esperava que ela voltasse com os sons de seu salto alto, rabiscava qualquer coisa no bloquinho incapaz de ser compreendida, mas que certamente serviria de inspiração algum dia. Jamais descobri quem era a dona daquele salto alto. Mas guardo na memória ainda o ritmo de seu caminhar. Plact, plact, plact.
Mas essa semana, o mesmo som retorna, ainda mais interessante. É a garota que está entrando no meu quarto, vestindo um salto alto, preto, a lingerie da mesma cor que eu prefiro nem detalhar e uma blusinha branca, gentilmente desabotoada próximo dos seios. É incrível como uma garota fica sensual em cima de um salto. Seus cabelos longos desafiam minha capacidade de discernimento. Seu perfume inunda a bagunça de meu quarto, onde há jornais atirados pelo chão, roupas jogadas sobre o ventilador que espalha um vento capaz de arrepiar qualquer espinha.
Dominadora ela ordena: “Para de trabalhar, está tarde. Agora a pauta sou eu e tu vai escrever essa história depois”. A caneta que eu mordia com a boca enquanto pensava nos afazeres é atirada longe, nunca mais a encontrei. Ela me beija. Não era um beijo, me sufocou. Sobre meu corpo, altiva, me olha de cima de seu salto, apoiado em meu queixo. Ela sorri. Um riso debochado e sensual, sabe que me tem como deseja. Beijo suas pernas, enquanto seguro a ponta do sapato. “Safado, cachorro” e outras coisas impublicáveis são ditas. Pescoço arranhado, beijos demorados, uma cena perfeita, repleta de pecado.
E quando o calor acaba, apenas um som em minha cabeça e uma imagem. O vulto dela saindo pela porta do quarto, completamente nua, poderosa sobre um salto. Me sinto amado, eternamente perdoado, por um dia ter condenado qualquer mulher que não sabe andar de salto alto.
terça-feira, 4 de março de 2014
DE OUTRO TEMPO
Sou de um tempo em que não havia fotos dos momentos mais bacanas, não por ser muito velho, mas não se andava por aí com uma câmera embutida no celular pra postar a foto do que havia feito logo em seguida. Não é que eu tenha algo contra isso, muito pelo contrário. Mas eu vejo aqui e algumas das coisas mais maneiras que fiz na vida eu não tirei fotos. Poderia ter das festas mais doentias, de verões memoráveis, de amizades de adolescência que se perderam no tempo. Não tenho nada de fotos pra lembrar dessas paradas, mas não as esqueci.
De qualquer forma, por isso e outras coisas, concluo que sou estranho. E sei que sou estranho por perceber isso, afinal uma pessoa normal não concluiria. Sou estranho porque não nado com o cardume, não ando no estouro da manada. Às vezes, fico vendo o cardume e tentando ter interesse pelo que fazem, mas me atiro numa diversão que só eu entendo e... Poxa, pra que explicar o que ninguém vai entender. Sou de outro tempo, imagino. De quando não precisava dizer que estava bebendo pra parecer legal. De um tempo que as amizades aconteciam, não se compravam ou se arranjavam.
Sou de outro tempo, de um tempo estranho. Me criei sobre leis que aprendi a contestar quando formei um senso crítico, e revi meus conceitos a tempo de me tornar um imbecil. Hoje, sou apenas estranho, mas de vez em quando sou imbecil. Sou de um tempo em que admitíamos estar errados, e não imitávamos corruptos que sempre escondem suas ações. Sou de um tempo em que sinceridade era reconhecida, mas sem a necessidade de ser aplaudida.
Sou também ignorante porque sei que amanhã ou mais tarde, vou me arrepender do que penso hoje, como hoje me arrependi de um texto do ano passado. Das histórias do passado. Tudo coisa do passado, semana passada, horas passadas. Elas não voltam. Sou de um tempo que ninguém se arrependia por não ter como voltar no tempo, porque sabia que pedir desculpas era possível. Não sempre, mas sinceras. Não inúteis, mas honestas. Sou de outro tempo, e não tenho mais horas disponíveis para ser como antes.
De qualquer forma, por isso e outras coisas, concluo que sou estranho. E sei que sou estranho por perceber isso, afinal uma pessoa normal não concluiria. Sou estranho porque não nado com o cardume, não ando no estouro da manada. Às vezes, fico vendo o cardume e tentando ter interesse pelo que fazem, mas me atiro numa diversão que só eu entendo e... Poxa, pra que explicar o que ninguém vai entender. Sou de outro tempo, imagino. De quando não precisava dizer que estava bebendo pra parecer legal. De um tempo que as amizades aconteciam, não se compravam ou se arranjavam.
Sou de outro tempo, de um tempo estranho. Me criei sobre leis que aprendi a contestar quando formei um senso crítico, e revi meus conceitos a tempo de me tornar um imbecil. Hoje, sou apenas estranho, mas de vez em quando sou imbecil. Sou de um tempo em que admitíamos estar errados, e não imitávamos corruptos que sempre escondem suas ações. Sou de um tempo em que sinceridade era reconhecida, mas sem a necessidade de ser aplaudida.
Sou também ignorante porque sei que amanhã ou mais tarde, vou me arrepender do que penso hoje, como hoje me arrependi de um texto do ano passado. Das histórias do passado. Tudo coisa do passado, semana passada, horas passadas. Elas não voltam. Sou de um tempo que ninguém se arrependia por não ter como voltar no tempo, porque sabia que pedir desculpas era possível. Não sempre, mas sinceras. Não inúteis, mas honestas. Sou de outro tempo, e não tenho mais horas disponíveis para ser como antes.
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